ESPLANADA DOS MINISTÉRIOS

Frei Betto

Da Praça dos Três Poderes, onde trabalho, contemplo a Esplanada dos Ministérios. Meu olhar volta ao passado e retorna ao presente, agora como se a realidade fosse sonho. Ali está a ministra Marina Silva, seringueira, analfabeta até os 14 anos, militante das CEBs (Comunidades Eclesiais de Base) do Acre que, a convite do bispo Moacyr Grecchi, assessorei em meados dos anos 70.

Ao lado, Benedita da Silva, ministra da Assistência e Promoção Social, líder comunitária do morro Chapéu Mangueira, atrás do nosso convento dominicano do Leme, no Rio. Conheci-a casada com Bola, participando do Movimento Fé e Política. José Fritsch, ministro da Pesca, integrante das CEBs de Chapecó, é discípulo de dom José Gomes. No monolito preto do Banco Central, reencontro Henrique Meirelles, militante da JEC (Juventude Estudantil Católica) de Anápolis, movimento do qual fui dirigente nacional nos anos 60. Estivemos juntos, naquela época, num encontro no colégio São José, na Tijuca, Rio. No ministério de Minas e Energia está Dilma Roussef, minha vizinha de rua na infância, companheira de cárcere no Presídio Tiradentes, em São Paulo, nos anos 70. José Graziano da Silva, Ministro Extraordinário da Segurança Alimentar e Combate à Fome, também foi meu companheiro de JEC, responsável pela coordenação estadual em São Paulo. Em 1964, participamos de encontro dos militantes no Colégio Notre Dame, na capital paulista.

Olívio Dutra, ministro das Cidades, militante da Pastoral Operária, dividiu com Lula o tapete da sala da casa de meus pais, em 1980, quando retornamos de uma atividade sindical no Vale do Aço, em Minas.

Dentro do Palácio do Planalto, a viagem ao passado me traz de volta José Dirceu, líder estudantil que se escondeu em nosso convento de São Paulo, nos anos 60. Tentei avisá-lo do cerco policial ao congresso da UNE, em Ibiúna, mas ele preferiu correr o risco de ser preso com todos a safar-se sozinho. Mais tarde, quando emergiu da clandestinidade, apresentei-o a Lula.

O gabinete pessoal do presidente da República é comandado por meu parceiro de Pastoral Operária, Gilberto Carvalho, que foi dirigente nacional do movimento. Místico, jamais perde a dimensão dos detalhes e sabe tratar cada pessoa com afetuosa atenção. À frente da Secretaria de Imprensa está Ricardo Kotscho, com quem fundei Grupos de Oração, ativos há 23 anos.

Ao lado de minha sala está o gabinete presidencial. Lula trabalha das sete da manhã às onze da noite. Ele soube capitalizar os nossos sonhos de juventude, dar-lhes consistência política e, graças ao seu carisma, transformá-los em realidade: agora, na Esplanada do Ministério, somos uma comunidade responsável pelo governo do Brasil.

Desperto do sonho e fico perplexo. Tenho um gabinete no Palácio do Planalto? Como foi possível, se não subimos a Serra da Mantiqueira, não demos um único tiro, não fizemos uma revolução? Fizemos, sim, uma revolução, mas por outros métodos: o da organização popular, da conquista progressiva de espaço na política, tendo como mentor Paulo Freire; como arma, a ética; como princípio, a fidelidade aos pobres; repensando e, agora, promovendo a refundação do Brasil pela via da participação cidadã e do fortalecimento da democracia.

Foi árduo o caminho que nos trouxe a esta Esplanada. Quais sementes,muitos companheiros tombaram. Outros desanimaram ou foram cooptados pela sedutora desesperança do neoliberalismo. E, no entanto, estar no governo não é o que supõe a vã imaginação. As salas são apertadas, o controle ético de nossos passos é rígido, nada de mordomias. Nos restaurantes internos a comida é a quilo. E trabalha-se, muito, em média 12h por dia.

São poucos dias dentro da máquina do governo. Mas uma só coisa me causa enfado: os pedidos de emprego, como se o Estado devesse manter a sua tradição clientelista de cabidão dos correligionários e amigos. Felizmente o novo governo se pauta por respeitar os funcionários de carreira, preservar os de notória competência, nomear para funções estratégicas e de confiança profissionais de relevante capacidade em suas respectivas áreas.

Os olhos do Brasil estão na Esplanada dos Ministérios. Lá de dentro,os nossos estão no povo brasileiro, sobretudo nos mais sofridos. Das amplas janelas do Planalto, não são as linhas arrojadas das obras de Niemeyer que contemplamos, mas sim a face daqueles que jamais tiveram um governo a seu serviço, empenhado no resgate da dignidade e da soberania nacionais.

Queira Deus que possamos corresponder a tanta expectativa. Mas uma coisa é certa: não teremos êxito se a população não se assumir como nossa parceira nesse desafio histórico.



©Copyright    Frei Betto, escritor, é autor, entre outros livros, de "Hotel Brasil" (Ática), e assessor especial do presidente da República. Esses foram os créditos que vieram junto a esse texto no e-mail que recebi.

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