BRASÍLIA, ESSA DESCONHECIDA
Cesar Valente

(Original)

Já morei três vezes em Brasília e se tiver oportunidade morarei de novo, com muito prazer. A primeira vez foi mais difícil. Claro. Estava fazendo mestrado na UnB (1979/1980, para sermos precisos). Logo descobri que a cidade tem camadas. Quando a gente só vai por uns dias, fica num nível superficial. E aí concordo com todos vocês, é uma cidade sem grandes atrativos. Mas ao morar em Brasília a gente mergulha para os níveis reservados.

Abaixo da superfície, a cidade continua complexa. Tem quem viva lá há décadas e não goste. Tem quem ame de paixão no terceiro mês. Porque descobre o jeitão da cidade que nasceu dentro daquela utopia. Claro que não é nada daquilo que foi planejado. Como aquelas plantas que brotam pelas frestas, abrem rachaduras, infiltram-se por todos os lados, menos pela boca do vaso. Mas é uma cidade inegavelmente charmosa.

Na segunda vez, já em 1985, fiquei pouco mais de um ano. E este tem sido, para mim, o problema principal de Brasília. Não se trata de um projeto de vida "vou comprar uma casinha e morar em Brasília". É sempre um projeto profissional, uma tarefa, geralmente com tempo para iniciar e acabar.

A última vez, em 2001, novamente um convite profissional. Mais uma vez aceito com alegria. A gente sempre se deu bem com a cidade, sempre deu sorte para achar onde morar e sempre foi muito feliz em Brasília. Quando os ventos profissionais nos levam embora, sempre fica no ar uma tristeza, um ar de namoro rompido e uma sensação de que a gente ainda vai voltar.

Não sinto falta do mar, que é a queixa mais freqüente dos litorâneos que moram lá. Uns tantos, por falar nisso, parecem eternamente insatisfeitos. Falta mar, falta chuva, falta esquina, falta morro, falta tudo. Uma grande injustiça. O horizonte de Brasília, o céu imenso, suprem satisfatoriamente a sensação que o mar oceano oferece. Não chover é bom, pelo menos para quem vem de lugares úmidos. Ter hora e data para chover é ótimo. Clima organizado, civilizado. E tem de tudo, em Brasília: cada um que chega de um canto do País ou do mundo traz um pouquinho da sua terra.

Mesmo que a realização tenha saído diferente do projeto, é inegável que Brasília cumpriu pelo menos uma das suas metas: é o centro do Brasil. O Brasil inteiro se encontra lá. Dá pra encontrar gente do Brasil todo em Brasília. Dá pro sulista aprender, finalmente, que os sotaques de Pernambuco, Bahia e Ceará são muito diferentes. E dá pros nordestinos verem que os sotaques de gaúchos, catarinenses e paranaenses são igualmente diferentes. Dá pra comer galeto na brasa como em Gramado e carne de sol como em Natal. E assim por diante.

Nos jornais e nas tevês do resto do País, Brasília é sinônimo do Congresso ou do Executivo. Ônus de capital. Mas nunca é demais lembrar que a maioria daqueles cuja má-fama contamina a imagem da cidade, chegam na terça-feira e vão embora na quinta. São gente de Alagoas, de Santa Catarina, do Rio, do diabo a quatro, eleitos não pelo pessoal que mora em Brasília, mas pela gente desses estados. E, é claro, quando eles pisam na bola, Brasília leva a fama.

Chega, antes que comece a lembrar dos amigos e amigas brasilienses, bata o banzo e acabe torrando uma nota em passagem aérea pra matar a saudade.




©Copyright   Este texto foi escrito por Cesar Valente e publicado originalmente no blog Carta Aberta. Defensor de Brasília que sou, resolvi dar uma roubadinha para tê-lo aqui também ;-)

ZAMORIM :: Textos :: http://zamorim.com/textos/coisadebrasileiro.html